quinta-feira, 23 de abril de 2009

C.Caç. 758 - Todos os Nomes

Eis a lista dos elementos da C.Caç. 758, conforme despacho da Região Militar de Angola, de Fev. 1965.

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Este é último número do Boletim "O Zé Bravo", do Bat. Cav. 745, dedicado à nossa Companhia.

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sexta-feira, 10 de abril de 2009

Primeira Operação




Artigo de José Rosário, in: Gazeta da Academia de Loures

Primeira Operação - Baptismo de Fogo

A Guerra Colonial, ou a Guerra do Ultramar, como se chamava na altura, deixou marcas profundas nos militares que nela participaram e nas famílias e amigos que cá ficaram, aguardando o seu regresso - que não aconteceu para todos, infelizmente.
Estive pessoalmente envolvido na guerra, em Angola, como Furriel Miliciano, durante 26 meses (1965-67). É difícil descrever o turbilhão de emoções que passa(va) pela cabeça dum jovem militar mobilizado para a guerra, que em poucas semanas é “arrancado” ao seu dia-a-dia pachorrento casa – amigos - “tropa”, para um cenário “surreal” e distante, onde há tiros, e bombas, e emboscadas, e estupefacção, e dúvidas existenciais: “porquê isto?”, e principalmente: “PORQUÊ EU?” ...
Antes da partida para África, instalava-se em todos nós uma sensação angustiante, misto de incerteza e ansiedade, que alguns geriam mal, embebedando-se, fazendo asneiras ou ficando abatidos, mas outros procuravam disfarçar, tentando ser fortes, até para não desanimar os que ficavam, aparentemente mais frágeis. Tentei "dar a volta por cima", e o facto é que, no dia da despedida, os meus amigos e amigas me prepararam uma matinée em grande, onde se dançou ao som de músicas românticas, como se não houvesse "amanhã"; depois acompanharam-me ao comboio (e aí é que “fraquejámos” quase todos...). Em casa, a família fez o mesmo (lembro-me que o meu pai me abraçou, ao “apanhar-me” pela primeira vez a fumar, na varanda...).
Com a família no cais de embarque, novamente se apertou o tal nó na garganta ... (Não voltaria a ver o meu paizinho, já então doente).
Saímos de Lisboa a 9 de Janeiro de 1965, em pleno Inverno. Viajámos no Vera Cruz, um paquete enormíiiissimo, símbolo do Império; foram 9 dias de viagem, com algum sabor a aventura, mas nem os peixes voadores, os tubarões, os exercícios de salvamento, a rotina diária, as senhoras - poucas -, a tradicional mensagem na garrafinha, ou a cerimónia da passagem do Equador, disfarçavam as ainda frescas emoções da partida. No nosso camarote, eu, o Diogo e o Boim, numa espécie de rito para espantar sabe-se lá o quê, costumávamos citar Pessoa, olhando o oceano pela vigia:
“ ...
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal ”
...
E depois rematávamos : - “Ah! mar dum c.....!”
Desembarcámos em Luanda a 18 de Janeiro, com um calor tórrido e húmido. Tive o privilégio de estar de serviço nesse dia, o que me permitiu seguir mais tarde para o Quartel, não na coluna militar como a maioria, mas de Jeep, atravessando a cidade. As primeiras impressões foram muito boas; uma urbe movimentada, os panos coloridos das quitandeiras, as nativas com os filhos cingidos às costas, a terra vermelha das falésias, a vegetação tropical, o calor, a praia, as miúdas "descascadas"...
Depois, a vida dura. Para se avaliar como foi rápida a nossa entrada num cenário de guerra, a primeira intervenção decorreu apenas 12 dias após a chegada. A 30 de Janeiro já estávamos em pleno baptismo de fogo, na Serra do Uíge, a centenas de quilómetros dali! Fomos render outra Companhia, na Zona de Intervenção Norte. Fez-se logo à chegada uma festa de “sobreposição”, onde a Companhia anfitriã nos ofereceu uma “Psícola” (termo que parodia a acção psico-social dos militares junto das populações). Tratou-se de um festim de cerveja, mulher (uma, que o apresentador disse ser como uma irmã – a que alguém respondeu: - “só se for a tua!”...) e música, as incontornáveis bebedeiras, os fados, o strip-tease e tudo o resto...).
Também na guerra a primeira operação foi “de sobreposição”; ou seja, ambas as companhias em conjunto, para nos “familiarizarmos” com o cenário onde iríamos operar daí em diante. Dada a ordem de avançar, imagine-se o estado de espírito de cada um, antecipando cenas de tiros para lá e para cá!; seguiu-se a azáfama de limpar armas, encher carregadores, seleccionar o que pesasse menos das rações de combate, mais o cantil de água para 3-4 dias, mais o pano de tenda e os acessórios, o colchão de borracha, o poncho para a chuva, e, quem sabe, umas meias secas, etc. E no fim, pondo tudo às costas, um peso incríiiivel! Para nós, graduados, acrescia ainda a obrigação de organizar tudo e levantar o moral do pessoal, objectivo difícil de conseguir... Partimos então, à noitinha, numa coluna de camiões civis e militares, para o local de início da operação, no Vale do Loge, (o lado de lá da serra), a muitas horas dali, por aquelas picadas de África que alguns conhecem. Objectivo: desalojar e perseguir o inimigo, na Serra do Uíge, atravessando a serra para o lado de “cá”. Nos camiões da coluna militar, toda a gente na caixa de carga. Levámos um guia local, que ia junto a mim. Trocámos breves palavras, relacionadas com “conforto”.
A Operação começou de madrugada, a partir duma Fazenda de Café. A Companhia mais antiga seguiu na frente, com o Guia para escolher o melhor caminho para encontrar o inimigo, e nós a seguir, em “bicha de pirilau” como se costumava dizer. Logo no início da caminhada, apanhei uma ferroada de formiga do café, das que têm um veneno dos piores. Começa bem, pensei para mim... Entrou-se então pela primeira vez na selva virgem, com aquelas árvores magestosas, envoltas em vegetação quase impenetrável, onde o sol não entra e onde a beleza do conjunto esconde por vezes lianas cheias de picos e plantas urticantes, mas também nos oferece uma mistura de aromas fortes e estranhos e aves de cores vivas, algumas com um piar arrepiante ...
Passado algum tempo, os primeiros tiros, a que se seguiu uma saraivada de fogo, principalmente do pessoal da minha Companhia que não estava habituada a estas coisas... ("Maçaricos"!, era como chamavam aos novatos, sem experiência). Com uns gritos de ALTO! lá pararam todos ! O que se tinha passado ? O Guia, que terá sido forçado a aceitar a missão, e que teria cumplicidades com o “outro lado”, tentou fugir para a frente, no carreiro onde seguíamos; os soldados mais perto aperceberam-se e atiraram, acertando-lhe no tronco, deixando-o agonizante. Teve de levar o tiro de misericórdia, não sem antes implorar: (estas palavras são textuais) “Um 'menino' que me leve! Capitão! Eu também tenho Deus !” . E deixaram-no ali mesmo.
Lá se foi o apetite para o almoço... Voltando a cabeça, lembrei de novo Pessoa e “O menino de sua mãe”:
“...Num plaino abandonado
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado”
...
A operação prosseguiu, em silêncio, cada um questionando-se sobre o sentido da vida. Passados mais três dias a subir e descer, abrindo caminho na selva, com mais algumas "peripécias" pelo meio, finalmente, ao fim da tarde, estoirados, avistámos as luzes do Songo, mas estávamos longe demais para atingir a estrada com visibilidade suficiente, tendo de “dormir” ali mesmo, à chuva. Estando praticamente terminada a operação, dei por mim naquela noite de insónias molhadas, a fazer uma espécie de balanço : - se isto é para continuar assim, vai ser duro!; a primeira "experiência", deu, ao menos, para provar que o nosso corpo encontra "sempre" reservas de energia, mesmo depois de pensarmos ter atingido os limites da resistência ao cansaço, ao medo, ao stress, à sede, e a outras coisas que só se conhecem em situações-limite.
Só que os limites da resistência, para alguns, ficam aquém do que se lhes é exigido... (Esses são os que "estoiraram" e estão aí, como sabemos...).
Na madrugada seguinte, avançámos a pé para tomar o transporte de regresso, e eis que nos aparece no caminho um “maná” como que caído do céu: numa fazenda abandonada, uma árvore enorme, carregadinha de mangas maduríssimas, em que até as que estavam no chão eram comestíveis ! Pudera ! Com a fomeca e o cansaço, foi fartar vilanagem ! Não me lembro quantas horas dormi quando cheguei ao quartel, mas posso garantir que só sonhei com coisas doces...
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